quinta-feira, 17 de março de 2011

Galo forte e… gastador


Quem banca o Galo?
Com uma dívida que beira os 300 milhões de reais, o Atlético monta mais um time de estrelas e diz não contar com nenhum parceiro para isso. Afinal, quem paga a conta do turbinado Galo?
Apresentação de Richarlyson no Atlético-MG
Foto: Agência Estado
Richarlyson foi apenas um dos vários reforços do Galo para 2011
Nas mesas dos muitos bares de Belo Horizonte, qualquer papo de torcedor sobre grandes contratações do Galo em
algum momento envolverá um certo termo que provoca arrepios nos alvinegros e júbilo nos rivais: “Selegalo”. Foi assim que ficou conhecido o supertime de 1994 que fracassou com nomes como Luiz Carlos Winck, Adílson Batista, Neto, Gaúcho e Renato Gaúcho. Desde então qualquer esboço atleticano de montar um elenco de estrelas passou a ser visto sob a sombra daquele fiasco.
Se nos últimos anos as comparações com o time de 1994 andavam escassas devido aos tempos de vacas magras vividos pelo clube, desde o ano passado as analogias andam mais vivas do que nunca. O Atlético é hoje o clube cujas contratações mais chamam atenção no Brasil. Mesmo sem obter grandes resultados em campo (por pouco não foi rebaixado no  Brasileirão 2010), e com uma vertiginosa queda na renda após o fechamento do Mineirão, o Galo não botou o pé no freio na hora de contratar. Um elenco que já tinha Diego Tardelli, Diego Souza, Daniel Carvalho e Réver, entre outros, ganhou dez reforços, alguns entre os mais cobiçados do Brasil. Chegaram os goleiros Lee e Giovanni, o zagueiro Leonardo Silva, o lateral Patric, os volantes Richarlyson e Toró, os meias Mancini e Wesley, os atacantes Magno Alves e Jóbson. Além disso, no furacão da briga contra o rebaixamento, conseguiu trazer Dorival Júnior ainda em 2010 — um dos técnicos mais cobiçados do Brasil. Antes disso trouxe o ex-diretor de futebol do Cruzeiro, Eduardo Maluf, tido como um dos melhores do país.
Alexandre Kalil, Ricardo Guimarães e Eduardo Maluf
Fotos: Futura Press, Eugênio Savio e Otempo
Alexandre Kalil nega, mas conselheiros garantem que Ricardo Guimarães ainda banca o clube. O diretor Eduardo Maluf (à esquerda) é uma das “estrelas” do elenco
Dividida entre a esperança de dias melhores e a desconfiança pelos fracassos anteriores, a torcida atleticana se vê às voltas com a mesma pergunta: de onde vem tanto dinheiro?
Foto: Hoje em Dia
Além de Richarlyson, Jóbson e Mancini, cobiçados por outros clubes, eles desembarcaram na Cidade do Galo — o que despertou a curiosidade sobre as finanças do clube
Segundo o presidente Alexandre Kalil, a fartura nas contratações é fruto de um projeto que implantou no clube desde que assumiu, em novembro de 2008. “Tudo o que o Atlético recebe é aplicado no futebol. Não tenho vôlei, não tenho basquete, não tenho bocha. Meu orçamento não depende do imponderável, está fechado até dezembro. No primeiro dia de cada mês você pode ter a certeza de que o salário vai estar na conta”, diz o presidente, que afirma ter diminuído as despesas mensais do clube em 3 milhões de reais. Kalil garante ainda que a chegada de reforços não irá engordar as despesas do clube com salários. “As contratações não vão aumentar a nossa folha. Muita gente saiu, e a folha continua basicamente a mesma.”
No ano passado Kalil garantira que a folha de pagamento atleticana era de 2,1 milhões de reais, mas PLACAR revelou que o valor na verdade estava bem próximo dos 3 milhões. Com a permanência dos jogadores que recebiam os maiores salários do clube — como Diego Tardelli, Diego Souza e Daniel Carvalho, todos na casa de 150 000 reais — é provável que a folha do clube esteja ainda maior. “Em 2009 os salários do futebol eram bancados com dinheiro do Galo mesmo. Isso eu posso garantir. Não sei agora, se fizeram ou não parcerias para arcar com as novas contratações”, diz João Baptista Ardizoni, que até outubro presidiu o Conselho Deliberativo do Atlético.
Box: a matemática do Atlético-MGMas as explicações de Kalil não convencem a todos no clube. Manfredo Palhares, conselheiro benemérito e opositor do presidente, é um dos que creditam o milagre financeiro do Galo ao ex-presidente Ricardo Guimarães, dono do banco BMG. “Essas contratações do Atlético são uma farsa. É o Ricardo Guimarães quem continua financiando o time. Afinal, de onde o clube tiraria dinheiro para bancar tantas contratações?”, questiona o conselheiro, que não se contenta com a justificativa de corte de gastos. “Kalil precisa explicar melhor de onde vem o dinheiro. A prestação de contas no clube é ilusória”, diz.
Na última temporada, o banco BMG passou a estampar sua marca nas camisas de vários clubes das três divisões do Brasileirão. O BR Soccer 1, fundo de investidores criado no ano passado pela instituição, já possui mais de 50 jogadores em diversos clubes brasileiros. Além de patrocinador do Atlético, o BMG tem uma relação mais profunda com o Galo: o ex-presidente Ricardo Guimarães é também seu maior credor — o clube deve a ele nada menos que 94 milhões de reais. No início de 2010 Guimarães concedeu moratória ao Atlético até julho de 2012. A partir daí o clube pagará 200.000 reais mensais fixos ao ex-presidente, além de ceder 15% do valor da negociação de atletas. A dívida, que passará a ser corrigida pela taxa Selic, é considerada impagável por especialistas em economia.
Também conselheiro do clube, Benedito Soares Bonfim afirma que Guimarães continua mais presente que nunca no Atlético. “Ouvi uma entrevista recente do Kalil dizendo que o conselho sabia quanto ele pagou ao Vanderlei Luxemburgo na rescisão contratual. É uma mentira, pois nenhum conselheiro ficou sabendo desses valores. O que a gente sabe pela vivência é que o Ricardo Guimarães continua bancando as contas do clube”, diz. Manfredo Palhares vai mais longe. “Só no ano passado ele [Kalil] pagou 20 milhões de reais pela multa rescisória do Luxemburgo, apesar de não ter divulgado esse valor”, diz.
Independentemente de continuar a bancar as despesas do clube, o fato é que a dívida existente já é motivo de grande preocupação. Para Alberto de Lima Vieira, ex-presidente do Conselho Fiscal do Galo na gestão de Ricardo Guimarães, o rombo deixa o clube refém do ex-presidente. “Recentemente [no fim de 2009] o Conselho Deliberativo aprovou a nomeação de vários conselheiros ligados ao Ricardo Guimarães, muitos deles com algum grau de parentesco. É uma situação estranha, não?”, diz.
O grande temor de boa parte dos atleticanos é que eventuais empréstimos de Guimarães possam culminarcom a perda de um dos maiores patrimônios do clube: o shopping Diamond Mall, localizado em uma das regiões mais nobres de Belo Horizonte e avaliado em 450 milhões de reais. “O principal interesse do Ricardo Guimarães é o shopping. Nem a partir de 2012 o Atlético vai conseguir pagar a dívida a ele porque o clube mal tem dinheiro para manter seus funcionários”, diz Manfredo Palhares. Alberto de Lima Vieira vai além. “Ricardo Guimarães, que é uma pessoa muito discreta, mas não é bobo, nunca revelou pessoalmente o desejo de entrar com uma participação nesse faturamento do Diamond Mall. Mas era comum ver conselheiros ligados a ele manifestarem interesse em transferir a exploração do shopping ao Ricardo como forma de pagamento da dívida”, diz.
Para o presidente Alexandre Kalil, que participou da formatação do acordo da dívida com Ricardo Guimarães, a possibilidade de Guimarães tomar do Atlético o shopping não passa de boato: “Se ele [Ricardo Guimarães] quisesse shopping, não faria acordo. Se há uma coisa de que o Ricardo não precisa é dinheiro. O banco dele dá 400 milhões de reais de lucro por trimestre”, justifica Kalil.
Esteja ou não interessado no shopping atleticano, Ricardo Guimarães está na mira do Ministério Público de Minas Gerais, que investiga supostas irregularidades em sua gestão no Galo. Segundo o promotor Eduardo Nepomuceno, a investigação ainda está aberta e deverá ser finalizada em dois ou três meses. “Detectamos irregularidades nos contratos de empréstimos assinados na gestão do Ricardo Guimarães, firmados por ele e por diversas pessoas ligadas à diretoria do clube. Eles emprestavam dinheiro ao Atlético como pessoas físicas e com taxas de juros elevadas, irregulares. Só o fato de o clube recorrer a pessoas físicas, e não a entidades financeiras, já gera certa estranheza”, diz Nepomuceno, que afirma que a investigação deverá trazer consequências para Guimarães e outros dirigentes. “Estamos em fase de conclusão, avaliando a quem devemos responsabilizar: o Ricardo Guimarães ou os ex-diretores do clube”, diz.
No fim deste ano o Atlético passará novamente por eleições. Alexandre Kalil afirma que sua decisão de seguir à frente do clube independe da conquista de um grande título em 2011 e que é quase certa sua permanência por mais três anos. Por ora, se o sucesso dos novos reforços em campo também não é certo, uma coisa é: a sombra da dívida do clube.
DIAMANTE BRUTO
Fachada do shopping Diamond Mall em Belo Horizonte
Foto: Eugênio Savio
O shopping Diamond Mall foi construído em uma área em que ficava um antigo campo do clube. A empreendedora Multiplan bancou uma dívida do Atlético com a prefeitura e firmou contrato com o clube, que teria um repasse de 15% do faturamento. Inaugurado em 1996, o Diamond Mall foi arrendado por 30 anos — o Galo só terá 100% de controle e participação no Diamond em 2026.
Segundo conselheiros, o shopping está avaliado em 450 milhões de reais, de acordo com estudos elaborados pelo Conselho Fiscal. O clube já teria conseguido alvará da prefeitura para construir o quarto andar do shopping, o que pode ampliar em até 30% seu faturamento anual.
PAPÉIS TROCADOS
Zezé Perrella, presidente do Cruzeiro
Foto: Light Press
Zezé Perrella: é tempo de redução de custos
A fartura atleticana chega em um momento em que o Cruzeiro vive dias de vacas magras — uma crise financeira evidenciada pelos fatos e negada pela diretoria. A inversão de papéis entre os rivais do futebol mineiro ficou marcada pela saída do zagueiro Leonardo Silva, que desembarcou na Cidade do Galo para receber o que não ganharia na Toca da Raposa (cerca de 130 000 reais mensais). Embora o Atlético ainda não tenha revertido a situação em campo, financeiramente as realidades são muito diferentes.
Se antes o Cruzeiro tinha a seu favor a melhor estrutura, agora é o Atlético que se vangloria de ter o melhor centro de treinamento do Brasil. E, enquanto jogadores chegam à Cidade do Galo seduzidos pelo pagamento dos salários em dia, outros deixam a Toca da Raposa revelando atrasos. “O que foi colocado é que, se não tomar conta, o Cruzeiro vai seguir pelo caminho de muitos clubes”, revelou o volante Fabinho logo após ser dispensado pelo clube em janeiro para reduzir a folha salarial.