quinta-feira, 17 de março de 2011

No ar, a guerra pelo esporte


Esta semana, relembraremos como a briga pela audiência levou a Manchete a comprar os direitos de transmissão dos jogos das finais da Copa Brasil (Campeonato Brasileiro de 1986) entre São Paulo e Guarani, o que motivou a Globo a buscar exclusividade em diversas outras modalidades.
Careca e Tosin durante a final do Campeonato Brasileiro de 1986
Foto: Antonio C. Mafalda
Direitos de televisão da final do Brasileiro de 1986 motivou guerra das emissoras por exclusividade e audiência esportiva no Brasil
Setembro de 1950. Os paulistanos que saíam do trabalho, sempre apressados, naquele dia 18 estancaram diante de enormes caixas espalhadas pelas praças do centro da cidade. E foi aos sobressaltos que acompanharam o prodígio. Nas caixas, surgia a imagem sorridente da então jovem cantora Hebe Camargo. Aplausos, admiração e êxtase. Inaugurava-se a TV Tupi. O Brasil ingressava na aldeia global.
Feita a luz, ou melhor, as ondas eletromagnéticas hertzianas, o país ganhou uma nova paixão. Desde a aparição do indiozinho, que simbolizava a extinta Tupi, o outro lado da telinha não parou de se aprimorar. Transmissão em cores, computadores e satélites fazem parte do cotidiano das noventa emissoras que atualmente disputam a atenção dos telespectadores brasileiros. Toda essa sofisticada técnica desenvolveu-se da dura batalha pela audiência.
Nesse universo de novelas e enlatados, musicais e desenhos animados, cada vez mais destaca-se a programação esportiva. O rico filão de saques, braçadas, cestas, bólidos e – principalmente – gols transformou-se numa luta à parte da guerra por maior público. Só no Estado de São Paulo, por exemplo, sete emissoras dedicam 54 horas e meia semanalmente para o esporte. No Rio de Janeiro, a cada semana o carioca pode acompanhar 36 horas e 10 minutos de programação esportiva, em cinco canais de TV. “O esporte tem uma audiência fiel”, diz Paulo Matiussi, diretor-executivo de esporte da Bandeirantes, que manda ao ar o Show do esporte, com mais de 8 horas de duração, aos domingos.
A briga pelo espectador, que já está acirrada, ganhou força no final do mês passado, com as finais da Copa Brasil. Na ocasião, São Paulo e Guarani negociavam a transmissão das duas partidas com um pool formado por Globo, Record e Bandeirantes. Os clubes não aceitavam os 3 milhões de cruzados oferecidos e acabaram beneficiados pela Manchete, que chegou aos 4 milhões em troca da exclusividade do evento. Estava armado o conflito.
Liderança ameaçada – “Inflacionaram o mercado”, acusa Sílvio Luiz, narrador e diretos de esportes da Record. “Foi um comportamento antiético”, acrescenta Paulo Matiussi. “Afinal, há quase dois anos o pool funcionava bem, com consultas e negociações de alto nível”, completa. “Não fizemos nada de errado”, defende-se Alberto Leo, editor-chefe de esportes da Manchete. “Apenas oferecemos uma proposta melhor”.
Mas foi no Jardim Botânico, no Rio, onde está a sede da Globo, que a investida da Manchete teve maior ressonância. A cúpula da emissora já andava apreensiva desde o ano passado, quando detectara a perda de preciosos pontos no Ibope com a maciça programação esportiva da Bandeirantes – que chegou meia dúzia de vezes ao primeiro lugar com as lutas de Adílson “Maguila” Rodrigues ou os jogos da Seleção de Seniores. A maior preocupação da Globo, contudo, é mesmo a Manchete, que, especialmente no Rio, já começa a incomodar a liderança global. Por isso foi armada uma estratégia que prevê combates nos setores em que a concorrente se tem destacado. E, nesse caso, o esporte assume posição privilegiada.
A Globo pretende jogar pesado. Assim, além da reestréia do Esporte Espetacular aos domingos à noite, saiu a campo atrás de transmissões exclusivas a todo vapor. Com a FOCA – Associação dos Construtores de Fórmula 1 – fechou contrato para mostrar os dezesseis GPs da temporada. Por intermédio da empresa paulista Traffic, garantiu também onipresença no televisamento do Torneio Pré-Olímpico de Futebol (abril) e da Copa América (junho). J. Hawilla, o dono da Traffic, continua empenhado em obter direitos de transmissão de mais eventos para renegociá-los. “Quem compra exclusividade ganha prestígio”, ensina. Hawilla não confirma que a Globo tenha investido 1,2 milhão de dólares pelo Pré-Olímpico e Copa América – 500 000 dólares além do que as outras haviam oferecido.
E a Globo não pára. Leonardo Gryner, responsável pelo departamento de esportes, recebeu ordens da direção de entrar sozinho em tudo o que for possível. Assim, a CBF já recebeu uma proposta de 120 000 dólares por partida da Seleção na excursão à Europa, em maio. Do mesmo modo, estão acertados com São Paulo e Guarani os jogos da Taça Libertadores. E a emissora não pretende repassar a nehuma das chamadas co-irmãs tais transmissões. “Não vamos abrir mão de nossos direitos”, assegura Gryner.
Temores fundamentados – Sobretudo o giro da Seleção vai dar o que falar. “A Seleção é patrimônio de todos os brasileiros, não da Globo”, choraminga Alberto Leo. “Otávio Pinto Guimarães me garantiu que não decide nada sem consultar a gente”, garante Paulo Matiussi.
Num ponto todos concordam: é impossível concorrer com o poderio financeiro da Globo. “Não queremos fazer frente a eles”, dissimula Leo, da Manchete. “Temos só quatro anos de vida e nossa intenção é nos fixarmos como a segunda emissora brasileira”, afirma. De São Paulo, Sílvio Luiz anuncia a tática da Record diante do apetite da Globo pela exclusividade: “Vamos partir para a guerrilha”, apresentando fatos recentes, como o jogo do Sâo Paulo em Miami. A Bandeirantes, por sua vez, pretende continuar em seu estilo. “Não somos só futebol, e vamos prosseguir concorrendo com outros esportes”, explica Matiussi. Ele prega a volta do funcionamento do pool como solução para todos. “Ganha-se uma saudável competição de qualidade”, preconiza. “E barateiam-se os custos”, completa Sílvio Luiz. “Caso contrário, vai continuar a guerra que se vê agora”. Tudo indica que os temoresde Sílvio têm fundamento. A Manchete praticamente garantiu o Pré-Olímpico de vôlei masculino (maio), mas este ano reserva mais batalhas, como os Jogos Pan-Americanos (agosto) e o Mundial de Juniores de Futebol (outubro).
Fazendo vencedores e derrotados, a briga do lado de lpá da telinha promete seguir firme e forte. Sorte do pessoal do lado de cá, que poderá assistir a tudo de camarote – ou melhor, confortavelmente acomodado em sua poltrona.
* Matéria originalmente publicada na edição 878 – 30/MARÇO/1987