Esta semana, relembraremos como a briga pela audiência levou a Manchete a comprar os direitos de transmissão dos jogos das finais da Copa Brasil (Campeonato Brasileiro de 1986) entre São Paulo e Guarani, o que motivou a Globo a buscar exclusividade em diversas outras modalidades.
Setembro de 1950. Os paulistanos que saíam do trabalho, sempre apressados, naquele dia 18 estancaram diante de enormes caixas espalhadas pelas praças do centro da cidade. E foi aos sobressaltos que acompanharam o prodígio. Nas caixas, surgia a imagem sorridente da então jovem cantora Hebe Camargo. Aplausos, admiração e êxtase. Inaugurava-se a TV Tupi. O Brasil ingressava na aldeia global.
Feita a luz, ou melhor, as ondas eletromagnéticas hertzianas, o país ganhou uma nova paixão. Desde a aparição do indiozinho, que simbolizava a extinta Tupi, o outro lado da telinha não parou de se aprimorar. Transmissão em cores, computadores e satélites fazem parte do cotidiano das noventa emissoras que atualmente disputam a atenção dos telespectadores brasileiros. Toda essa sofisticada técnica desenvolveu-se da dura batalha pela audiência.
Nesse universo de novelas e enlatados, musicais e desenhos animados, cada vez mais destaca-se a programação esportiva. O rico filão de saques, braçadas, cestas, bólidos e – principalmente – gols transformou-se numa luta à parte da guerra por maior público. Só no Estado de São Paulo, por exemplo, sete emissoras dedicam 54 horas e meia semanalmente para o esporte. No Rio de Janeiro, a cada semana o carioca pode acompanhar 36 horas e 10 minutos de programação esportiva, em cinco canais de TV. “O esporte tem uma audiência fiel”, diz Paulo Matiussi, diretor-executivo de esporte da Bandeirantes, que manda ao ar o Show do esporte, com mais de 8 horas de duração, aos domingos.
A briga pelo espectador, que já está acirrada, ganhou força no final do mês passado, com as finais da Copa Brasil. Na ocasião, São Paulo e Guarani negociavam a transmissão das duas partidas com um pool formado por Globo, Record e Bandeirantes. Os clubes não aceitavam os 3 milhões de cruzados oferecidos e acabaram beneficiados pela Manchete, que chegou aos 4 milhões em troca da exclusividade do evento. Estava armado o conflito.
Liderança ameaçada – “Inflacionaram o mercado”, acusa Sílvio Luiz, narrador e diretos de esportes da Record. “Foi um comportamento antiético”, acrescenta Paulo Matiussi. “Afinal, há quase dois anos o pool funcionava bem, com consultas e negociações de alto nível”, completa. “Não fizemos nada de errado”, defende-se Alberto Leo, editor-chefe de esportes da Manchete. “Apenas oferecemos uma proposta melhor”.
Mas foi no Jardim Botânico, no Rio, onde está a sede da Globo, que a investida da Manchete teve maior ressonância. A cúpula da emissora já andava apreensiva desde o ano passado, quando detectara a perda de preciosos pontos no Ibope com a maciça programação esportiva da Bandeirantes – que chegou meia dúzia de vezes ao primeiro lugar com as lutas de Adílson “Maguila” Rodrigues ou os jogos da Seleção de Seniores. A maior preocupação da Globo, contudo, é mesmo a Manchete, que, especialmente no Rio, já começa a incomodar a liderança global. Por isso foi armada uma estratégia que prevê combates nos setores em que a concorrente se tem destacado. E, nesse caso, o esporte assume posição privilegiada.
A Globo pretende jogar pesado. Assim, além da reestréia do Esporte Espetacular aos domingos à noite, saiu a campo atrás de transmissões exclusivas a todo vapor. Com a FOCA – Associação dos Construtores de Fórmula 1 – fechou contrato para mostrar os dezesseis GPs da temporada. Por intermédio da empresa paulista Traffic, garantiu também onipresença no televisamento do Torneio Pré-Olímpico de Futebol (abril) e da Copa América (junho). J. Hawilla, o dono da Traffic, continua empenhado em obter direitos de transmissão de mais eventos para renegociá-los. “Quem compra exclusividade ganha prestígio”, ensina. Hawilla não confirma que a Globo tenha investido 1,2 milhão de dólares pelo Pré-Olímpico e Copa América – 500 000 dólares além do que as outras haviam oferecido.
E a Globo não pára. Leonardo Gryner, responsável pelo departamento de esportes, recebeu ordens da direção de entrar sozinho em tudo o que for possível. Assim, a CBF já recebeu uma proposta de 120 000 dólares por partida da Seleção na excursão à Europa, em maio. Do mesmo modo, estão acertados com São Paulo e Guarani os jogos da Taça Libertadores. E a emissora não pretende repassar a nehuma das chamadas co-irmãs tais transmissões. “Não vamos abrir mão de nossos direitos”, assegura Gryner.
Temores fundamentados – Sobretudo o giro da Seleção vai dar o que falar. “A Seleção é patrimônio de todos os brasileiros, não da Globo”, choraminga Alberto Leo. “Otávio Pinto Guimarães me garantiu que não decide nada sem consultar a gente”, garante Paulo Matiussi.
Num ponto todos concordam: é impossível concorrer com o poderio financeiro da Globo. “Não queremos fazer frente a eles”, dissimula Leo, da Manchete. “Temos só quatro anos de vida e nossa intenção é nos fixarmos como a segunda emissora brasileira”, afirma. De São Paulo, Sílvio Luiz anuncia a tática da Record diante do apetite da Globo pela exclusividade: “Vamos partir para a guerrilha”, apresentando fatos recentes, como o jogo do Sâo Paulo em Miami. A Bandeirantes, por sua vez, pretende continuar em seu estilo. “Não somos só futebol, e vamos prosseguir concorrendo com outros esportes”, explica Matiussi. Ele prega a volta do funcionamento do pool como solução para todos. “Ganha-se uma saudável competição de qualidade”, preconiza. “E barateiam-se os custos”, completa Sílvio Luiz. “Caso contrário, vai continuar a guerra que se vê agora”. Tudo indica que os temoresde Sílvio têm fundamento. A Manchete praticamente garantiu o Pré-Olímpico de vôlei masculino (maio), mas este ano reserva mais batalhas, como os Jogos Pan-Americanos (agosto) e o Mundial de Juniores de Futebol (outubro).
Fazendo vencedores e derrotados, a briga do lado de lpá da telinha promete seguir firme e forte. Sorte do pessoal do lado de cá, que poderá assistir a tudo de camarote – ou melhor, confortavelmente acomodado em sua poltrona.
* Matéria originalmente publicada na edição 878 – 30/MARÇO/1987